quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Urânio Empobrecido (escrito por mim em 2001)

Nas primeiras semanas do ano 2001 surgiram as primeiras notícias sobre soldados que estivaram estacionados na ex-Jugoslávia e que tinham desenvolvido Leucemias. Na procura de uma razão para o aparecimento desta doença, os projécteis com urânio empobrecido disparados pelos norte-americanos durante a guerra, foram culpabilizados pela generalidade dos média e por alguns políticos. Estes projécteis (que pesam mais de 100 gramas) são usados principalmente para destruir tanques e outras estruturas blindadas, já que possuem uma grande capacidade de penetração devido à alta densidade (ρ=18,9 g/cm3) deste material. Na produção destas munições é utilizado urânio natural empobrecido ou então o remanescente do urânio usado em centrais nucleares. No urânio empobrecido, a percentagem do isótopo usado para a cisão nuclear, U 235 (usado nas centrais e bombas nucleares) é inferior a 0,2%. Se são utilizados os restos de centrais atómicas teremos que contar ainda com uma pequena fracção de Plutónio.

Este tipo de munição foi utilizado pela primeira vez na guerra do Golfo. Nos Balcãs foram usados aproximadamente 31.000 projécteis com urânio, e devido a uma série de soldados estacionados nessas zonas sofrerem actualmente de Leucemias, este tema foi, e ainda é, objecto de debate público, muitas vezes entre individualidades mal informadas.


Bases Físicas

O Urânio encontra-se na natureza maioritariamente na forma de U 238 (99,3%), somente 0,7% está na forma de U235 e uma pequeníssima fracção é U 234 (menos de 0,005%). O U238 faz parte da série radioactiva do Urânio-Rádio, tem uma semi-vida de 4,5x109 anos e decai num elemento instável o Tório 234 libertando uma partícula alfa com uma energia de 4,2 MeV. O U235 possui uma semi-vida de 7x108 anos, fazendo parte da série do Actínio, quando decai para o elemento o Tório 231 (também instável) liberta uma partícula alfa com uma energia de 4,4 MeV.

Para a irradiação de um ser vivo a radiação alfa, a uma determinada distância, tem uma importância reduzida, já que ela é fortemente absorvida pelo próprio ar. Assim o que nos preocupa é a radiação gama libertada. O U236 não existe mais na natureza, já que a semi-vida é de apenas 23,4 milhões de anos e como tal desapareçam desde a criação da Terra. Assim só encontramos este isótopo após enriquecimento do Urânio para ser posteriormente usado em centrais nucleares.


Radiação

Um quilo de U238 puro tem uma actividade de 12 Mega Becquerel (MBq), enquanto que um quilo de U235 puro tem uma actividade de 80 MBq. Assim um quilo de urânio empobrecido (somente com 0,2% de U235), como o usado nas munições norte-americanas, têm uma radiação ligeiramente superior ao U238. A 1 metro de distância a radiação seria equivalente a 2mSv por ano, o que corresponde aproximadamente à radiação que recebemos todos os anos por fontes naturais.

Agora, isso implicaria que alguém vivesse durante 1 ano a 1 metro de um projéctil com urânio. Assim a radiação exterior por estas munições não podem nem nos devem preocupar. Mas quando o projéctil embate contra um alvo, uma parte “evapora” e os aerossóis podem atingir locais mais ou menos distantes. Logo o Urânio pode ser inalado e a radiação alfa passa a ter um papel decisivo. Se admitirmos que uma pessoa inala 1 grama de Urânio (o que é uma quantidade muito elevada), os pulmões receberiam uma dose equivalente a 260 mSv. Se forem somente 0,1 gr serão ainda 26 mSv. Mas se ingerirmos somente 10 miligramas de Urânio já seriamos vítimas de uma intoxicação por metais pesados, apesar de essa quantidade libertar uma radiação insignificante. Assim a toxicidade do U238 é muito superior ao perigo que representa a sua radiação.

Epidemiologicamente, a maioria das leucemias surge somente 5 a 7 anos, após exposição a fonte radioactiva. Com este facto não podemos excluir totalmente uma possível relação entre a radiação e o aparecimento das leucemias nos soldados. Contra uma possível relação está o facto de que trabalhadores nas minas de urânio (expostos à radiação pelo Rádio) não apresentarem uma incidência aumentada de leucemias. Mas neste grupo o cancro do pulmão tem uma incidência extremamente alta. Se somarmos a esta contestação o facto de todos nós estarmos expostos ao rádio existente na natureza e o inspirarmos, anualmente os nossos pulmões acumulam uma radiação de 5 a 10 mSv. Em todo o corpo o rádio natura é responsável por uma radiação na ordem dos 1,4mSv por ano.

Se somarmos a todos os factos enunciados ainda a contestação que em todos os países industrializados, nos indivíduos entre 20 e 40 anos, surgem por cada 100 000 habitantes, 8 a 11 de Leucemias por ano. Se partirmos do princípio durante 3 anos estiveram 100 000 soldados estacionados nos Balcãs, 33 casos de leucemias seriam “normais”.


Radiação Natural

Todos nós estamos expostos á radiação na natureza como já foi referido em relação ao Rádio. Mas estamos todos “adaptados” a certos níveis de radiação, já que as mutações induzidas são reparadas por sistemas enzimáticos específicos. O Urânio existe naturalmente no nosso meio ambiente, ele está presente na terra em 2ppm (partes por milhão), o que equivale a cerca de uma colher de sopa de urânio num camião de terra. Os nossos alimentos contêm aproximadamente 0,08 até 70 microgramas de urânio por quilo. A água que consumimos tem entre 0,4 a 1,4 microgramas de urânio por litro. Isso não representa o mínimo perigo, e é totalmente natural.


Toxicidade

Temos de ter em conta que o Urânio é dos metais pesados mais tóxicos que existe se ingerido ou inspirado. Experiências com animais demonstraram que quantidades consideráveis de urânio são responsáveis por danos renais e neurológicos, além de conduzir a malformações em fetos. Como causa de leucemias não consta o urânio mas outras substâncias vulgares como o Benzol. Da quimioterapia anti-cancerosa sabemos que certos medicamentos citostáticos, nomeadamente os que contêm platina (outro metal pesado), podem desencadear leucemias. Poderá estar aqui uma explicação para os casos de leucemias nos soldados?


Plutónio

Em meados de Janeiro, levantaram-se suspensões de que o urânio usado no fabrico destas munições seria proveniente dos resíduos de centrais nucleares. Neste caso não seria de excluir que Plutónio, ainda que em quantidades diminutas, esteja presente nos projécteis usados nos Balcãs. A sua semi-vida é de 24 110 anos e a quando decai liberta uma partícula alfa com 5 MeV de energia. A radioactividade de um quilo de plutónio é de 2,3 milhões de MBq, sendo assim 200 000 vezes superior à do U238. Isso significa que 1 mg (miligrama) tem uma actividade de 50 Sv (!!!) e que uma milionésima parte de grama ainda teria uma actividade de 50 mSv. Segundo a União Europeia o limite máximo de exposição anual para um ser Humano está nos 20 mSv por ano. Se existiu plutónio nas munições usada nos Balcãs, dependendo da concentração deste, este representará um perigo muito maior para a saúde que o urânio.


David Ferreira

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